“Para viver uma
grande paixão é preciso que duas pessoas se queiram com a mesma intensidade e
com o mesmo desespero, com o peito sufocado e sem nenhum limite.
Aliás que erro
falar de grande paixão; não existem grandes ou pequenas paixões, só existe a
paixão – que é única. E que não se confunda, jamais, pessoas apaixonadas com as
que vivem uma paixão.
Quem vive uma
paixão deve ser desobrigado de todas as coisas, a começar pelo trabalho; é
impossível viver normalmente quando ela acontece. Quem é atingido por uma
paixão não precisa de nada, todo o resto é sem importância, inútil,
dispensável.
Os que vivem uma
paixão não comem, não dormem e respiram mal – quando respiram; não leem jornal,
não veem televisão, não precisam ganhar dinheiro, nem mesmo abrir a janela para
saber se está chovendo ou fazendo sol. E se o mundo estiver acabando, é sem
importância. Mundo? Mas que mundo?
Quem vive uma
grande paixão não vai à praia, não viaja nem convive com outras pessoas – não
quer, não pode, não consegue e nem deve. Uma paixão não é alegre nem triste; é
absoluta, e, quando acontece, todo o universo deixa de existir.
A paixão suga,
devora, esgota, consome e exaure; ela exclui a amizade, a solidariedade, a
bondade, a lealdade, a responsabilidade. Ela só existe para ela mesma, e sem
meio-termo: a paixão é exclusiva e devastadora.
No espaço de uma
vida podem acontecer dez, trinta, cem amores, mas paixão só uma. Os amores –
maiores ou menores – podem ser até felizes, mas a paixão marca o corpo e a
alma, e para sempre; ela não tem nada a ver com a felicidade nem está interessada. Aliás, o que é mesmo essa bobagem de ser feliz, quando se vive uma
paixão?
Quem vive uma
paixão não se distrai com nada; não vê, não escuta, não consegue ler um bom
livro, não sabe se está fazendo calor ou frio, não tem fome nem sede, porque
não consegue pensar em outra coisa. Uma paixão é uma paixão, ponto.
Existem os que
nunca vão saber o que é uma paixão, e nunca vai se entender por que só alguns
escolhidos, eleitos ou condenados a passar por essa prova; porque é uma prova,
e ninguém sai dela ileso. Para viver uma paixão é preciso abrir mão do corpo,
da alma, das ideias, do desejo, do eu. A paixão é egoísta, exclusivista, e não
aceita compartilhar nem dividir: é ela ou nada.
Alguns passam
pela vida – feliz ou infelizmente – sem conhecer a paixão. Quando ela desponta,
há ainda um momento que é possível recuar; mas quem se deixar levar deve saber
que é um precipício onde vai ter que se atirar de olhos fechados, seja para o
que for. Depois é o abismo, onde não pode existir nem passado, nem futuro, nem
mesmo a vida.
E é por isso que
um dia a paixão acaba – para um dos dois. E quando um se dá conta de que para
viver uma grande paixão é preciso abrir mão de tudo, de absolutamente tudo,
para que ela possa continuar existindo.
Pobre de quem não
viveu uma paixão, pobre de quem viveu uma paixão. Pobre de quem sucumbiu a uma
paixão; pobre de quem sobreviveu a uma paixão.
Porque quem
sobreviveu fez a mais difícil de todas as escolhas: entre a paixão e a vida
preferiu a vida, e nunca vai saber se fez a escolha certa; afinal, a paixão só
acontece uma vez – quando acontece. E nunca mais.”
Danuza Leão – no
livro Sem Juízo